domingo, 6 de agosto de 2017




Um Homem chamado Mohammah Baquaqua

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Um país construído pelas mãos de seres humanos escravizados não pode se dar ao luxo de esquecer sua memória racista, suas atrocidades sobre uma determinada etnia. A escravidão negra representa uma enorme mancha na história brasileira.

Historiadores debatem todos os anos sobre quantos escravos entraram no Brasil durante mais de 300 anos, uns falam em 10 milhões, outros em mais ou menos, mais o que realmente importa é demostrar um pouco do sofrimento de nossos ancestrais que foram retirados de suas terras, de suas culturas e de suas famílias, para serem trazidos a milhares de quilômetros de distância de sua terra natal para morrer como simples produtos.

Ao chegar a terra de Santa Cruz, os lusitanos tentaram escravizar os índios, porém os mesmos não aguentavam o nível de trabalho , pois a sua vida era baseada na subsistência e o uso de recursos naturais, um trabalho compulsório seria algo sacrificante e que eles jamais aguentariam , e isso se viu nos anos a seguir.

O negro tinha e tem um porte físico privilegiado, sua condição de vida extrema na África o transformava em um homem de porte físico avantajado e resistente, perfeito para o trabalho com a cana de açúcar.

O colonizador tinha pleno conhecimento da capacidade e da habilidade do negro, principalmente por sua rentável utilização na atividade açucareira nas ilhas do Atlântico. Muitos desses seres humanos proviam de reinos que trabalhavam com ferro e gado, então sua capacidade produtiva era bem superior a indígena.

Mas o negro jamais aceitou essa condição imposta. Já nos navios, a resistência já se mostrava. Casos de suicídio eram bem comuns , quando chegavam a terras tupiniquins , tentava de todas as maneiras empreenderem fugas, criavam Quilombos e se protegiam dos seus inimigos.

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Mais nesse artigo não vamos retratar sobre a escravidão no geral, mais sim de um homem que foi retirado de sua vida, escravizado, que conseguiu fugir e foi para terras americanas, mais ele tinha uma particularidade: Ele sabia ler e escrever e escreveu uma bibliografia, a única escrita por um ex-escravo, o único que deixou  o registro de seus sofrimento, seu nome era Baquaqua.

Nascido livre na Àfrica desfrutava de uma vida de liberdade, apesar do reino onde ele morava estar constantemente em guerra, mais essa era sua única preocupação. Mohammah Gardo Baquaqua nasceu no território hostil entre 1820 e 1830, no reino de Zooggoo na África Central, Reino tributário do reino de Bergoo, localidade chamada Djougou( atual Benim) e sua família era de origem muçulmana .

Filho de comerciantes,  estudou em uma escola de ensino islâmico , e como é tradicional da religião , adquiriu conhecimentos seculares que o ajudaria em sua vida, além de estudar o livro da religião( O Corão), teve acesso a ensinamentos de literatura e matemática.

Baquaqua se tornou um habilidoso comerciante e atuou entre o Caifado de Socoto e o extinto  império Ashante, reino esse que possuía um tráfico intenso de escravos.
(califado: Jurisdição  no direito muçulmano, conjunto de princípios seguidos por chefes políticos e religiosos após a morte de Maomé c570-632.Dignidade ou jurisdição ('poder') de califa.)
Mas essa profissão o levaria a sua desgraça pessoal. Como eu escrevi acima, a região vivia numa constante guerra, região bastante tensa, e um dia, enquanto ele vendia grãos, foi preso e feito de escravo.
Seu irmão acabou comprando ele e lhe devolvendo a liberdade, mas pouco tempo depois ele foi preso e feito de escravo novamente, pois ele tentou roubar e ingerir bebida  alcoólica , perto da sua cidade Dijougou, e essa atitude é considerado um pecado mortal pela religião Islâmica. Agora como escravo , foi vendido e enviado ao Brasil a bordo de um Tumbeiro ( Navio Negreiro ) , e ele descreve em sua bibliografia o terror desse navio:

“Que aqueles indivíduos humanitários, que são a favor da escravidão, coloquem-se no lugar do escravo no porão barulhento de um navio negreiro, apenas por uma viagem da África a América, sem sequer experimentarem mais que isso dos horrores da escravidão; se não saírem abolicionistas convictos, então não tenho mais nada a dizer a favor da abolição”. Mahommah G. Baquaqua, 1854.

Um relato de Baquaqua
“Escravos vindos de todas as partes do território estavam ali e foram embarcados. O primeiro barco alcançou o navio em segurança, apesar do vento forte e do mar agitado; o próximo a se aventurar, porém, emborcou e todos se afogaram, com exceção de um homem. Ao todo, trinta pessoas morreram”. (BAQUAQUA).

Dentro do Navio, uma imagem que seria marcada para toda vida.
“Fomos arremessados, nus, porão adentro, os homens apinhados de lado e as mulheres do outro. O porão era tão baixo que não podíamos ficar em pé, éramos obrigados a nos agachar ou a sentar no chão. Noite e dia eram iguais para nós, o sono nos sendo negado devido ao confinamento de nossos corpos. Ficamos desesperados com o sofrimento e a fadiga”.
“A única comida que tivemos durante a viagem foi milho velho cozido. Não posso dizer quanto tempo ficamos confinados assim, mas pareceu ser muito tempo. Sofríamos muito por falta de água, que nos era negada na medida das necessidades. Um quartilho por dia era tudo que nos permitiam e nada mais”.
“Quando qualquer um de nós se tornava rebelde, sua carne era cortada com uma faca e o corte esfregado com pimenta e vinagre para torná-lo pacifico (!)”.
“Alguns foram jogados ao mar antes que o último suspiro exalasse de seus corpos quando supunham que alguém não iria sobreviver, eram assim que se livravam dele”.

Baquaqua depois de cerca de 30 dias de viagem nestas péssimas condições, acabou chegando à província de Pernambuco no Império do Brasil por volta de 1845. Cinco anos depois, o imperador D. Pedro II, declararia o fim do tráfico de escravos no Atlântico, ou seja, ele chega na condição de escravo ilegal , isso só reforça a ideia que o tráfico de escravos continuou mesmo depois de sua proibição , o mercado negro continuava intenso.

 Baquaqua permaneceu em um mercado de escravos na costa, por um ou dois dias, até ser vendido para um mercador que por sua vez o vendera em um mercado na cidade do Recife. Lá um padeiro o comprou. Este vivia no interior, mas Baquaqua não especifica onde exatamente, ele apenas disse que não ficava distante de Pernambuco.



Terminada a construção da casa, Baquaqua passou a trabalhar como vendedor de pão. Era o responsável por vender o pão de porta em porta ou às vezes ficava na padaria mesmo. Mas quando não conseguia vender tudo, às vezes era chicoteado para aprender a vender tudo na próxima vez. Ele também relata que os outros escravos eram dados a indisciplina e eram beberrões. Gastavam o pouco dinheiro que conseguiam comprando cachaça. Logo, o próprio Baquaqua acabou se juntando aos seus amigos.

“Assim, um dia, quando me mandaram vender pão como de costume, vendi apenas uma pequena quantia e, com o dinheiro que recebi comprei uísque e bebi a vontade, voltando para casa bastante embriagado. Quando fui fazer as contas da diária, meu senhor pegou minha cesta e, descobrindo o estado em que as coisas estavam, fui muito severamente espancado. Eu disse a ele que não deveria mais me açoitar e fiquei com tanta raiva que me veio a ideia de matá-lo e, em seguida, suicidar-me”. (BAQUAQUA).

Baquaqua passou a entrar no vício do álcool por que considerava uma forma de atenuar a dura e miserável vida de escravo que levava. Quando era muçulmano, não podia beber porque a religião islâmica proíbe os fiéis o consumo de bebidas alcoólicas, mas agora que era cristão, isso não era proibido totalmente. (no cristianismo condena-se a embriaguez como um estado derivado do ato do pecado da gula, nesse caso, beber em demasia).

Após ter sido espancado pelo seu senhor, ele foi liberado. Ainda com dor e pulsante de raiva, Baquaqua disse que naquele momento tentou cometer suicídio. Ele correu até o rio ali perto e se jogou em suas águas, porém algumas pessoas que estavam num barco viram que ele se afogava e o salvaram. Depois disso ele não tentou se afogar novamente.

Depois de toda esta rebeldia o padeiro o levou para a cidade e o vendeu para um mercador de escravos. Baquaqua passou alguns dias em posse desse mercador até ser vendido para um fazendeiro, o qual ele dizia ser muito cruel. No dia que fora comprado, o fazendeiro também comprou duas mulheres, sendo uma jovem e bonita, essa serviria como concubina para o fazendeiro. Ele passou algumas semanas trabalhando para o fazendeiro até que o mesmo o vendeu para um navio negreiro que seguia para o Rio de Janeiro. Lá, ele passou duas semanas, até ser vendido a um capitão de navio.
Baquaqua relata que este capitão até foi mais condizente com ele, e não o maltratava tanto, porém sua esposa,era uma mulher cruel. Enquanto trabalhava no navio logo fora reconhecido por seu esforço e foi promovido  segundo camareiro. Pouco tempo depois ele se tornou o primeiro camareiro.

“Fiz tudo que estava em meu alcance para agradar meu senhor, o capitão, e ele, por sua vez, depositou confiança em mim”. (BAQUAQUA)

Ele passou um bom tempo trabalhando naquele navio. Até que um dia, o seu capitão foi incumbido por um mercador inglês de transportar em seu navio algumas sacas de café para Nova Iorque. Baquaqua e outros escravos seguiriam viagem para os Estados Unidos.
“Tínhamos aprendido que em Nova Iorque não havia escravidão, que era um país livre e que, uma vez ali, nada tínhamos a temer de nossos cruéis senhores e estávamos muito ansiosos para chegar lá”. (BAQUAQUA).

Baquaqua na época desconhecia o fato de que nos Estados Unidos havia escravidão, mas esta era mais intensa e agressiva nos estados do sul. Em Nova Iorque havia escravidão, mas de forma mais moderada. A abolição nos Estados Unidos foi apenas decretada em 1865 pelo presidente Abraham Lincoln, após o término da Guerra Civil Americana (1861-1865).
Abordo do navio inglês ele conheceu um marinheiro que falava um pouco de inglês. A primeira palavra em inglês que Baquaqua e seus amigos aprenderam foi free (livre). À medida que atravessavam o Atlântico rumo ao norte, Baquaqua dizia que a cada dia que se passava que estava chegando mais próximo de Nova Iorque, já se sentia um homem livre.

“Aquela foi à época mais feliz da minha vida, mesmo agora meu coração palpita com jubiloso deleite quando penso naquela viagem, e creio que Deus todo misericordioso tudo ordenou para o meu bem; como me sentia grato”. (BAQUAQUA).

Mas antes de Baquaqua chegar em seu destino este ainda viria a sofrer durante a viagem. Num dia de vento forte, Baquaqua acabou não ajudando de forma correta os outros escravos, isso enfureceu o capitão do navio o qual o chicoteou severamente. Naquele momento ele disse para que o capitão o matasse de vez, mas o capitão não fizera isso. Baquaqua disse que não iria implorar por misericórdia e assim apanhou severamente. Ele conta que suas costas e braços ficaram com marcas profundas, dilacerações causadas pela surra que levou. “embora estivesse machucado e despedaçado, meu coração não estava subjugado”.

Dias depois eles chegaram ao porto de Nova Iorque, em seu relato ele conta que foi bem recebido pelos americanos. Depois de alguns dias trabalhando, Baquaqua fez menção em dizer ao seu dono que não queria voltar mais ao Brasil, que ficaria ali e seria um homem livre. O capitão indignado com ele, ordenou que três escravos o capturassem, e assim Baquaqua passou alguns dias preso no navio, até que num dia foi solto, e o capitão concordou em lhe conceder a liberdade. Baquaqua desceu do navio alegre, mas fora capturado por um guarda do porto, o qual achara que ele tentava fugir. Ele passou uma noite trancafiado na prisão, até que o seu dono fora libertá-lo e o levou de volta ao navio. Isso havia sido no sábado e na segunda-feira, a liberdade chegou.

Baquaqua conta que três carruagens pararam no porto e homens bem vestidos subiram a bordo do navio, lá, estes obrigaram o capitão a baixar a bandeira e a libertar os escravos que trazia consigo, o capitão relutou em aceitar tais condições, mas acabou concordando.
“Fomos posteriormente, levados em suas carruagens, acompanhados pelo capitão, a um prédio muito bonito com um pórtico esplêndido de mármore, era circundada por uma elegante grade de ferro, tendo portões em diversos lugares, ornamentada ao redor com árvores e arbustos de vários tipos”. (BAQUAQUA).

Tal lugar era a prefeitura de Nova Iorque, lá eles foram conduzidos até a presença do cônsul do Brasil. O cônsul lhes questionou se queriam voltar para o Brasil, uma escrava disse que queria voltar, Baquaqua e outros disseram que não iriam voltar. Após várias perguntas, os escravos foram conduzidos para alojamentos que mais pareciam uma prisão. Baquaqua disse que temia que o cônsul não concordasse com eles e os levaria a força de volta para o Brasil.

Porém, depois de algumas noites, alguém acabou libertando os escravos, eles fugiram e seguiram viagem para a cidade de Boston em Massachussetts. Baquaqua não diz o nome destas pessoas, mas diz que eram amigos interessados em libertá-los. Ele permaneceu cerca de um mês em Boston, até que ganhou a possibilidade de viajar mais uma vez, ofereceram a oportunidade de ir para a Inglaterra ou para o Haiti. Baquaqua escolheu ir para o Haiti, pois acreditava que o clima de lá fosse parecido com o da sua terra.

No Haiti ele residiu por dois anos na cidade de Porto Príncipe, já sendo um homem livre. Lá ele passou a ser protegido e a trabalhar para a Sociedade Missionária Batista Livre. Baquaqua foi educado para se tornar um missionário cristão e possivelmente viajar para a África para converter mais devotos. Contudo ele não se tornou missionário e no ano seguinte em 1849, voltou para Nova Iorque onde ingressou no Colégio Central de Nova York. Ele permaneceu no colégio até o ano de 1853, mas não se sabe se chegou a se formar.

Entre 1853 e 1854 ele se mudou para o Canadá, lá conheceu Samuel Moore, o qual se interessou por sua história e decidiu escrever sua biografia. Pelo fato de não saber falar francês e inglês fluentemente, ele narrou a maior parte de sua história em português. Assim, Moore a traduziu e a publicou em 1854, sob o título de A Biografia de Mahommah G. Baquaqua, um nativo de Zoogoo, do interior da África.

A obra foi publicada em Detroit em língua inglesa, logo se tornou um livro conhecido, mas não fizera tanto impacto como foi o livro de Equiano, já que na época de Baquaqua a escravidão e o tráfico nos estados do norte dos Estados Unidos e no Canadá praticamente não existiam. Depois disso ele viajou para a Inglaterra em 1855, e de lá não se conhece mais nada a respeito de sua vida. Acredita-se que tenha morrido em 1857, porém ainda é uma data questionada.


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Bibliografia